O 2.° Período, de Prelúdio vai da publicação de O livro da dor até ao fim da II Guerra Mundial, incluindo, além do livro do jornalista João Albasini, os poemas dispersos, nos anos 1930, de Rui de Noronha, depois publicados em livro, numa recolha duvidosa, incompleta e censoriamente truncada, com o título de Sonetos (1946), por ser o gênero mais cultivado por ele.
Rui de Noronha (nasceu em 28 de Outubro de 1905; morreu em 25 de Dezembro de 1943, em Lourenço Marques) publicou boa parte dos seus poemas entre 1932 e 1936, no jornal O Brado Africano. A recolha póstuma de Sonetos (1946) não faz juz à real obra do poeta.
Não se esgota nesse cumprir da herança portuguesa ocidental e cristã a poesia de Rui de Noronha, que também se plasmou em formas mais libertas de constrangimentos e versou temas relacionados com tradições nativas de Moçambique, como no caso do celebrado poema "Quenguelequêzê" (modernamente também se escreve "Quenguele que ze»". Mas uma revisão crítica, como a que encetou Fátima Mendonça, obriga a realçar a inversão decerta mitologia propagandística da história colonial que Rui de Noronha operou poeticamente.
Noronha é, pois, herdeiro do terceiro romantismo português, como se disse, da sua oscilação entre a consciência do sujeito e a ânsia de absoluto (que haveria de liquidar física e psiquicamente um Antero, ora sombrio, ora ático), que a história tratava de reconduzir à realidade (isto é, ao quotidiano e seu jogo de forças materiais, sociais). Mas o poeta ultrapassa os restos desse terceiro romantismo, ao apropriar-se de temas e imagens segundo uma estratégia textual e ideológica que assumia os primeiros contornos de uma moçambicanidade baseada na História e no manancial étnico (o ritual, ainda que estereotipado, da Lua Nova).
Uma nova época foi inaugurada, portanto, a seguir à II Guerra Mundial. Durante cerca de 20 anos (até 1963), a literatura moçambicana alcançará a autonomia definitiva no seio da língua portuguesa.
Noémia de Sousa, no seguimento dos textos soltos de Campos Oliveira (século XIX), do jornalismo dos irmãos Albasini e de O livro da dor (1925), de João Albasini, e, depois, de Rui de Noronha, além de outros, também não muitos, nem prolíficos, é a primeira escritora de inequívoca radicação (e radicalização) africana, mas sem que se possa considerar que a literatura moçambicana comece com ela, que escreve os seus poemas entre 1948 e 1951,antes de embarcar para a Europa. Sem demasiadas preocupações cronologistas, podemos, para facilitar a perspectiva temporal e ancorar os textos marcantes a um quadro algo referencial, estabelecer, todavia, os anos do pós-guerra, de 1945-52, como decisivos para uma nova literatura moçambicana.
Surge et ambula
Dormes! e o mundo marcha, ó pátria do mistério.
Dormes! e o mundo rola, o mundo vai seguindo...
O progresso caminha ao alto de um hemisfério
E tu dormes no outro o sono teu infindo...
Dormes! e o mundo rola, o mundo vai seguindo...
O progresso caminha ao alto de um hemisfério
E tu dormes no outro o sono teu infindo...
A selva faz de ti sinistro ermitério,
onde sozinha à noite, a fera anda rugindo...
Lança-te o Tempo ao rosto estranho vitupério
E tu, ao Tempo alheia, ó África, dormindo...
onde sozinha à noite, a fera anda rugindo...
Lança-te o Tempo ao rosto estranho vitupério
E tu, ao Tempo alheia, ó África, dormindo...
Desperta. Já no alto adejam negros corvos
Ansiosos de cair e de beber aos sorvos
Teu sangue ainda quente, em carne de sonâmbula...
Ansiosos de cair e de beber aos sorvos
Teu sangue ainda quente, em carne de sonâmbula...
Desperta. O teu dormir já foi mais do que terreno...
a voz do Progresso. este outro Nazareno
Que a mão te estende e diz: — África surge et ambula!
a voz do Progresso. este outro Nazareno
Que a mão te estende e diz: — África surge et ambula!
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